Se você mora em Araxá, provavelmente já encontrou com a mamãe Larissa e o pequeno Saulo, na barriga, batendo as pernas por aí. Ele foi um presente daqueles que, de vez em quando, chegam de surpresa para algumas mamães. Larissa conta que tudo começou quando percebeu que estava perdendo resistência nas últimas competições que realizou, situação que geralmente não acontecia. “Eu sentia algumas fraquezas também, e essas fraquezas me fizeram pensar que, talvez, eu estivesse com algum problema, mas não imaginava que poderia ser uma gravidez.” Foi aí que Larissa decidiu, sabiamente, fazer um teste para tirar qualquer dúvida e, de repente: POSITIVO!
Quantas coisas podem mudar com uma simples junção de letras que se formam em uma palavra tão forte, não é mesmo? Quantas palpitações, quantos medos, um zilhão de pensamentos, preocupações e emoções! Principalmente quando não se está esperando.
Larissa é natural de Assis (SP), formada em odontologia pela Unesp, mãe da Ana Maria (8), da Clara (6) e esposa do Ricardo. Antes de se mudar para Araxá, há um ano, havia construído uma carreira sólida e satisfatória em Joinville (SC), onde morou por 16 anos. Começar uma carreira do zero não é uma tarefa fácil, principalmente no interior. Demanda tempo e coragem para enfrentar os apertos. O choro na descoberta da gravidez foi de emoção, mas também foi o choro do medo do futuro do Saulo, do futuro da família. “Eu chorei bastante por causa da instabilidade financeira. O Ricardo ainda estava desempregado aqui, e a minha renda ainda era a de Joinville. Eu tenho o meu consultório lá e viajo para atender os meus clientes. Além de tudo, eu já tenho 40 anos e enfrentaria uma gravidez de risco”, afirma.
O esporte esteve presente na vida de Larissa desde a infância. Quando criança, se destacava na natação e também na dança, e só anos mais tarde o “bichinho da corrida” a picaria. Na fase adulta, devido à correria, não conseguia conciliar atividade física com os afazeres, mas quando foi diagnosticada com diabetes durante a gestação da segunda filha, a vida precisou ser reorganizada. “A corrida surgiu aleatoriamente, porque quando tive diabetes voltei para a academia. Há dois anos, um colega de profissão que havia se formado comigo, me chamou para fazer um revezamento na Maratona Beto Carrero. Eu nunca havia participado de prova alguma e só corria na esteira! Mas, a Clara já estava maior e eu já tinha um fortalecimento devido à academia, e por causa do meu tempo, consegui ficar no top 10 na corrida. Desde então, comecei a participar de algumas provas e treinar cada vez mais”, conta.
A sua primeira corrida em Araxá foi a Desafio da Serrinha 2017, em que conquistou o 2º lugar nos 30 quilômetros. Coincidência ou não, foi em uma corrida no Barreiro, onde Larissa, mais à frente, conheceria uma grande família que logo seria um suporte muito importante em sua vida. “Nessa corrida, o pessoal do Gregório veio me convidar para correr com eles. Foi aí que uma assessoria entrou na minha vida e realmente comecei a me dedicar ao esporte e a colocar a cabeça no lugar; não só para socializar, mas também porque me identifiquei foi com o aspecto humano da corrida. A natação, que pratiquei na adolescência, é solitária, a academia é legal, mas é monótona também, tem que ter muita força de vontade. Já a corrida não, ela é democrática, você conversa com pessoas que não se aproximam por interesse e fala sobre vários assuntos comuns, sem se estressar. Eu estava numa época muito difícil, e esse contato foi muito importante para mim”, conta Larissa.
Um filho não planejado é bem-vindo, é amado, é querido, é filho, mas também é susto, é medo, insegurança e mudança. Tudo que estava programado, reprograma-se. Mudam-se as ideias, os objetivos, os pensamentos, a atenção, o destino das economias, os desejos, as horas de sono, o quarto, a tinta no cabelo, o humor, a pele, o corpo e a autoestima.
E mergulhada em um universo de medo e mudanças, Larissa chorou e encontrou amparo nos amigos que a corrida lhe presenteou.
“Nesse tempo que eu soube do bebê, eu nem podia falar, que já começava a chorar; e a corrida é tão humana, que o grupo da assessoria se comoveu. Eles sempre se dispuseram a ajudar, foram muito solícitos para me dar força no sentido de aceitação, porque a gente acaba se sentindo meio culpada por não aceitar tão bem. Mas tudo foi um presente mesmo, porque um mês após a descoberta, o Ricardo foi chamado para um emprego, coisa que não tinha acontecido em um ano.”
Segundo Larissa, a gravidez está supertranquila e, inclusive, muito melhor do que das outras filhas. Esse bem-estar é atribuído à atividade física que ela realiza todos os dias. “Quando eu não estou legal, um pouco enjoada, saio para correr e aquilo me dá ventilação, um ânimo que me faz voltar renovada, e aquele mal-estar passa. Isso não acontecia nas outras gestações, porque se tinha mal-estar eu tinha que parar tudo e ir para casa me deitar. Acho que, embora eu esteja mais velha, hoje tenho mais qualidade de vida.”
Segundo Fernando Javier Salgado, obstetra especializado em medicina fetal e gravidez de alto risco e que acompanha Larissa durante a gestação, as gestantes que fazem o pré-natal e levam uma vida saudável baseada na atividade física têm uma gravidez muito mais tranquila e livre de preocupações. Mas ressalta que é importante saber os limites e, principalmente, ter o acompanhamento de um especialista. “Tive a oportunidade de acompanhar a Larissa, que teve um pré-natal sem nenhuma complicação e muito saudável. Praticamente, não posso colocar nenhum conflito durante esse processo todo. Mas é importante que a pessoa que pratica atividade física durante a gestação saiba que, entrando na 28ª à 30ª semana de gestação, o feto entra em uma situação de triplicação da demanda metabólica. Isto significa que ele vai crescer, vai solicitar tanto da parte de nutrientes quanto oxigenação 3 vezes a mais. Isso que demanda o crescimento mais rápido dessa última fase. Portanto, é importante que a pessoa saiba se policiar e colocar um limite na hora certa. A Larissa foi orientada no devido tempo para diminuir gradualmente a intensidade da sua atividade física em prol do benefício fetal e, nesse momento, estamos nos aproximando da data do parto e sabemos que o bebê está em condições excelentes para poder ter um bom prognóstico pós-natal”, afirma o especialista.
Ela corre todos os dias, e por diversas vezes vi aquele barrigão me ultrapassar enquanto corria e me sentia uma velocista. Isso, só me sentia mesmo! Suas planilhas são diárias com um dia de folga e duas vezes na semana se junta aos treinos em grupo. “Antes, minhas planilhas eram grandes, cerca de 26 a 30 quilômetros, divididos por períodos. Com a gestação eu não posso tanto, vou no limite. No início conseguia fazer 18 a 20 quilômetros, mas agora fico somente nos 14, e quando não dá para fazer muito, tenho que fazer pelo menos 10, que é o meu mínimo.”
Segundo Gregório, profissional de educação física e treinador da gestante, todo o treinamento é realizado com orientação médica, tanto do obstetra, quanto da família que também é de médicos. “O trabalho com a Larissa tem sido muito bom, porque eu não passei por cima de ninguém, muito pelo contrário, tive orientações médicas para trabalhar com essa atleta. Ela é uma maratonista de altíssimo nível técnico, e todo nosso trabalho tem sido realizado dentro dos 60% de sua frequência cardíaca. Ela é a primeira corredora que treino na condição de grávida, e tem sido uma experiência ímpar”, conta o treinador.
Mas, e a família? Também está envolvida com o esporte? Ricardo perdeu 18 quilos depois que entrou na assessoria, só fazendo atividade física. A Ana e a Clara também adoram participar e cumprem a missão de serem fiscais de treino do pai. “Meu marido se motivou a correr quando a gente entrou na assessoria. Se eu for para Joinville e ele quiser faltar, as meninas não deixam. Ele mesmo fala que não pode faltar, porque quando eu não estou ele tem que ir com elas”, conta a mãe, orgulhosa.
O programa preferido da família é sair juntos para qualquer lugar que seja, mas que estejam sempre juntos.
Ana Maria, a primogênita, é uma Barbie que vive no mundo cor-de-rosa, que adora se cuidar e também carrega no olhar a inocência da infância. A Clara já é radical, gosta de skate e hip-hop, é autêntica. “Eu estou vivendo uma experiência diferente, porque as meninas foram planejadas para terem pouca diferença de idade para brincarem juntas, então eram duas crianças. Agora, elas estão crescidas, vivem falando para eu não me preocupar, pois vão me ajudar a cuidar. É até engraçado, é uma experiência interessante”, conta Larissa.
Todos adoram aproveitar uma folga para fazer uma caminhada de manhã e, claro, as meninas aguardam ansiosas pelo sorvete. “A gente gosta muito de sair para ir a um barzinho, as crianças sempre foram participativas, porque sempre as levamos. Eu nunca tive trabalho com relação ao comportamento delas por não saberem se comportar num lugar que não tenha um espaço kids. Sempre foram muito tranquilas.”
Larissa é uma menina, corre como uma, tem fôlego de uma e tamanho também. Mas é também uma mulher forte, que enfrenta os medos e tem uma fé indescritível. Na rua, é inevitável não observá-la. Ela é a grávida que corre e acabou sendo conhecida por isso. “Eu ando no calçadão, e vem uma pessoa conversar comigo para saber se o médico deixou, de quantos meses eu estou, se eu não tenho medo de perder o bebê. Em todo lugar as pessoas me abordam; embora eu não as conheça, elas já me viram correndo. ‘Ah, a grávida que corre’. E, muitas me contam que querem se inspirar em mim quando engravidarem e isso é muito interessante.” Talvez agora, enquanto você lê este texto, ele já esteja do lado de fora, conhecendo o mundo que o recebe com muita graça, mas por oito meses ele foi um “atleta-uterino”, digamos assim, e pôde sentir a adrenalina e muita energia correndo dentro da barriga da mamãe.
E, mergulhada em um universo de medo e mudanças, Larissa chorou e encontrou amparo nos amigos que a corrida lhe presenteou.
Fernando Javier Salgado, obstetra especializado em medicina fetal e gravidez de alto risco, diz que é importante saber os limites.
O programa preferido da família é sair juntos para qualquer lugar que seja, mas que estejam sempre juntos.
Que o Saulo se prepare, pois a vida do caçula vai ser mais do que divertida com essa família.