A facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) se instalou em aos menos 28 países e se infiltrou em presídios no exterior para recrutar novos membros e expandir negócios com tráfico de drogas e armas, além da lavagem de dinheiro.
As informações constam em um mapeamento do Ministério Público de São Paulo obtido com exclusividade pela GloboNews e g1. O relatório tem sido apresentado a embaixadas e consulados fora do país para cooperação internacional no combate a crimes transnacionais em pelo menos quatro continentes
Além da expansão para diferentes territórios, o que tem chamado a atenção das autoridades e investigadores brasileiros e também estrangeiros é o fato de os integrantes do PCC terem buscados outros países não só para viagens temporárias, mas também como moradia fixa e infiltração em cadeias, uma espécie de “marca registrada” da facção criminosa paulista.
“O maior perigo do PCC é a sua origem prisional, onde eles têm poder de organização e de ideologia, uma disciplina muito rígida e que se dissemina muito fácil no sistema prisional. Esse é o maior perigo para os países europeus da presença do PCC, mas eles estão também aprendendo com os europeus, sobretudo com os italianos: na distribuição de drogas, no envio do dinheiro sem que ele circule em termos formais”, explica o promotor de justiça do Ministério Público de São Paulo, Lincoln Gakiya.
💡O mapeamento é fruto de um cruzamento de informações de inteligência, coletadas por meio do monitoramento de integrantes do PCC que fazem parte das chamadas “Sintonia dos Estados” e “Sintonia dos Países”, setor do PCC cujos membros são responsáveis pelo acompanhamento do desenvolvimento da facção fora do estado de São Paulo e fora do Brasil, além da análise de dados a partir da quebra do sigilo telefônico e telemático de investigados e da troca de informações com autoridades estrangeiras.
A pesquisadora da Universidade Federal do ABC (UFABC), Camila Nunes Dias, também especialista em sistema prisional e criminalidade organizada, chama a atenção para a diferença entre a passagem de criminosos em um determinado país para fazer negócios – o que não causa impactos relevantes do ponto de vista da violência – e o movimento de permanência nos territórios de interesse da facção.
“O integrante do PCC não vai ter a preocupação de batizar, de recrutar, de construir uma estrutura criminal do PCC. E isso acontece acho que na maioria dos territórios novos onde o PCC se expande com essa finalidade de cunho meramente econômico e comercial. Quando há uma fixação, há um interesse de controle, de estabelecimento da estrutura do PCC. E isso implica que vai haver aí a busca ativa, com estratégias de recrutamento, de batizar pessoas, seja outros brasileiros, ou seja as pessoas nativas daquele país. Isso vai depender muito do grau de proximidade cultural com o Brasil”, pondera Camila.
Distribuição pelo mundo
A maioria dos integrantes do PCC no exterior ainda se concentra na América Latina e na América do Sul. Os países com o maior número de membros faccionados são Paraguai, Venezuela, Bolívia e Uruguai, e são considerados territórios importantes para a expansão do tráfico de drogas e armas, já que fazem de uma extensa fronteira com o Brasil e também são produtores do principal produto de exportação para a Europa: a cocaína (veja no mapa acima).
O mapeamento e a confirmação da presença mais duradoura do PCC em países vizinhos é antiga. A infiltração nos presídios do Paraguai, por exemplo, já refletiu em disputa violenta de poder nas cadeias. Em 2019, uma rebelião liderada por integrantes da facção paulista deixou dez detentos mortos e outros 12 feridos na penitenciária de San Pedro.
A pesquisadora Camila Nunes chama a atenção para o movimento que começou em países de fronteira com o Brasil. “No Paraguai, essa violência dentro das prisões é uma realidade que não existia antes. […] Chama atenção pelo potencial efeito que isso pode gerar [a presença do PCC em presídios] porque é justamente dentro das prisões que o PCC encontra o ambiente é mais adequado para se expandir, para se fortalecer e para se fixar”.
Em 1993, quando foi fundado na Casa de Custódia de Taubaté, interior de São Paulo, o grupo contava com menos de 10 integrantes, em uma união para tentar fugir da perseguição dos outros internos e de evitar abusos dentro dos presídios após o Massacre do Carandiru, em 1992. Desde então, o PCC se tornou uma das maiores facções do Brasil, com diversas ramificações internacionais e cerca de 40 mil integrantes.
Após quase três décadas o grupo criminoso conta com quase 50 mil integrantes, o PCC chega a faturar cerca de R$ 1 bilhão por ano, segundo o Ministério Público de São Paulo, principalmente com o tráfico internacional de drogas, e está presente em cadeias de 24 estados brasileiros, com exceção apenas do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, como consta em relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
“Eu não conheço nenhuma organização criminosa no mundo, que seja mais eficiente, no que diz respeito ao controle territorial dentro do sistema prisional, do que PCC.”
“Eles fizeram isso no Paraguai, depois eles acabam sufocando as facções locais. Depois eles saem em liberdade ou têm os comparsas de liberdade, eles vão batizando os nacionais daquele país. Isso aconteceu no Paraguai, está acontecendo hoje na Argentina, no Chile e com certeza vai acontecer na Europa, principalmente em Portugal, onde já há integrantes do PCC presos e já há também portugueses batizados”, explica o promotor Lincoln Gakiya.
Ele afirma que o PCC tem reproduzido a estrutura para divisão de tarefas, de acordo com a área na qual eles querem investir.
“Eles estão reproduzindo os mesmos setores que eles têm aqui no Brasil. Então eles têm lá um setor dedicado ao tráfico, que eles chamam de “progresso”, tem um setor financeiro, tem o setor para cuidar apenas do sistema prisional, que eles chamam de sintonia do sistema. Então isso me faz crer é a que a presença desses criminosos em solo europeu já não tem mais um caráter apenas de apoio na logística do tráfico Internacional, e sim de permanência e de fincar raízes também naquele continente, quiçá, talvez no futuro, eles dispensarem as organizações criminosas da Europa, sobretudo as máfias, que têm uma logística de distribuição de drogas no continente europeu”, explicou.
Portugal como porta de entrada e moradia fixa
Portugal tem cerca de 10 milhões de habitantes e uma conexão histórica muito forte com o Brasil. As poucas barreiras com o idioma e a presença massiva de brasileiros residentes naquele país são apontados como algumas das principais razões pelas quais o PCC decidiu investir em moradia fixa de importantes traficantes ligados à facção e a infiltração nos presídios para recrutamento.
No levantamento exclusivo obtido pela GloboNews e pelo g1, Portugal aparece em 5º lugar da lista de países com o maior número de integrantes do grupo criminoso e é o principal país da Europa em proporção da presença da facção.
Isso tem se refletido em prisões em flagrante, apreensões de drogas e investigações sobre o PCC por parte das autoridades portuguesas. Nos últimos anos, as polícias locais confirmam terem prendidos membros da facção tentando levar cocaína em submarinos e em outras embarcações adaptadas pelo crime organizado para cruzar o Oceano Atlântico até a Europa.
Em março, uma embarcação com cerca de 6,5 toneladas de cocaína, por exemplo, foi apreendida em alto-mar, na costa marítima de Portugal, após uma operação conjunta entre autoridades portuguesas e espanholas. Os cinco tripulantes foram presos, sendo três deles paraenses. Imagens gravadas pela Marinha portuguesa mostram a parte externa do barco e também partes internas, como o local onde os tripulantes dormiam e as drogas em fardos empilhados em uma espécie de porão.
“Isso demonstra que as organizações criminosas brasileiras, principalmente o PCC, têm uma alta capacidade de adaptação a diferentes contextos. E me mostra que o PCC busca se consolidar como um dos principais players no tráfico Internacional de drogas, principalmente porque aí ele consegue se capitalizar em euros em dólares, o que faz com que a sua capacidade de corrupção e de atuação no Brasil, seja ainda maior. E isso é um perigo para o Brasil”, diz o pesquisador Roberto Uchoa, da Universidade de Coimbra e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“A gente tem que entender isso: o PCC mais forte financeiramente, com maior capacidade de fragilizar as instituições e os agentes brasileiros, continua sendo um perigo ainda maior para o Brasil”, completa.
Uchoa relata que desde que chegou em Portugal, há dois anos, tem percebido maior preocupação das autoridades portuguesas como ponto estratégico nessa expansão do PCC. Ele relembra que Portugal possui uma enorme população de origem brasileira, que fala português e tem muitas proximidades culturais, o que possibilita a infiltração de criminosos ligados a organização sem ser percebidos dentro dessa comunidade e conseguir investir na atuação criminal.
“A gente tem algumas evidências de que Portugal tem tido um papel central nessa logística do PCC, por exemplo, quando a gente teve recentemente a prisão de um mergulhador ligado ao PCC em Lisboa. Com ele foram apreendidas armas de fogo e motos subaquáticas. Houve também uma operação da polícia portuguesa em portos de Portugal, onde ficou confirmado que integrantes da organização criminosa estavam subornando funcionários públicos portugueses para deixarem que a cocaína fosse descarregada nesses portos para que depois fossem colocadas em caminhões e fossem direcionadas para a Espanha”, detalha Uchoa.
Segundo a PF, o PCC tem recrutado mergulhadores experientes para tentar despistar os investigadores e conseguir entrar com cocaína na Europa. Um integrante considerado relevante na estrutura internacional do PCC é Gabriel Martinez Souza, conhecido como Fant, alvo de uma investigação da Polícia Federal, em Santos, pela suspeita de coordenar um grupo de mergulhadores para esconder cargas de cocaína no casco de navios cargueiros. Depois, esses mesmos mergulhadores iam para a Europa pegar a droga.