Ah… a infância, que saudades dela! Tenho propriedade para dizer que me diverti muito enquanto era criança. Eu era daquelas garotas bem agitadas que gostava de todo tipo de brincadeira e esportes. Sabe aquelas histórias nas “peladas” de rua: “time com camisa e sem camisa”, “Dono da bola tem sempre razão”, “Quem chuta busca”, “Gordinho vai pro gol”? Pois é, fiz parte de tudo isso. Ficava até tarde brincando na rua com os vizinhos e tenho muitas histórias para contar.
Quase sempre, eu era a única garota no meio de tantos garotos, me lembro que ali entre nós, éramos todos iguais, não existia “pré-conceito” pelo fato de ser uma menina, porém quando alguém “de fora” chegava, era comum ouvir aquele burburinho: – “Quem é essa ai, ela vai jogar mesmo ou está só olhando?”, “Vou escolher pro meu time só porque é bonitinha” e o mais comum deles: “Futebol não é coisa de menina não, vai pra casa”.
O preconceito velado da sociedade fez parte da minha infância e se escancarou ainda mais na adolescência. As pessoas não entendiam porque uma menina estava ali num ambiente que era totalmente machista. Porque ela preferia arrancar a tampa do dedão no asfalto, ao invés de estar fazendo a unha? Porque ela estava usando um tênis e uma chuteira e não o salto alto? Porque ela estava em uma rodinha de homens discutindo sobre futebol e não conversando com amigas sobre cabelo, maquiagem? E, evidentemente, ela estava no estádio assistindo uma partida de futebol por conta dos jogadores.
Esse é um relato de 10,15 anos atrás, mas a cultura permanece a mesma, as mulheres ainda se sentem “acuadas” quando o assunto é a inserção nesse ambiente “diferente”. Já perdi as contas de quantas vezes, após um comentário sobre futebol, por exemplo, eu ouvi: – “Nossa, mas até que você entende de futebol mesmo, “iria até te perguntar o que é impedimento, mas acho que você sabe né?!”
O esporte é uma ferramenta poderosa para a inserção de meninas e jovens garotas em um mundo ainda preconceituoso e com inúmeras formas de violência à aquelas mulheres que buscam seu espaço em ambientes considerados masculinos. É preciso mudar essa cultura e ações sociais esportivas são certamente o caminho mais rápido para transformar nossa realidade.
Projetos que promovam a interação de meninos e meninas formará uma sociedade menos preconceituosa, cidadãos mais respeitosos e com consciência pessoal e coletiva, além de reduzir a violência contra a mulher e contribuir com a formação de adolescentes com melhor autoestima, com capacidade de liderança e conhecedores dos seus direitos. É preciso que o esporte seja um agente de transformação atuante e explore todo seu potencial em uma sociedade cada vez menos coletiva.