Após o Congresso Nacional derrubar o decreto presidencial que aumentava as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reagiu e ingressou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar reverter a decisão do Legislativo.
O pedido foi protocolado na terça-feira (1º) pela AGU (Advocacia-Geral da União). Segundo o ministro da AGU, Jorge Messias, o objetivo da medida é preservar as atribuições constitucionais do Poder Executivo, e não confrontar o Congresso Nacional.
Para sustentar sua posição, o governo optou por apresentar uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), em vez de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) aprovado pelo Parlamento. A escolha, segundo Messias, foi feita justamente para evitar um embate direto com o Legislativo.
Apesar da tentativa de moderação no discurso, a escolha jurídica não alterou em nada a recepção da notícia pelo Congresso Nacional. Mesmo com as justificativas do ministro, a ação foi vista como uma afronta à soberania do Congresso e agravou ainda mais a tensão entre Executivo e Legislativo.
A decisão do governo foi interpretada por líderes do Congresso como uma “aposta dobrada” e que pode afetar outras agendas do governo no Legislativo, uma vez que o episódio elevou o tom da crise institucional e ampliou o desgaste político do Palácio do Planalto no Parlamento.
Em meio a crise, políticos e integrantes do Judiciário têm defendido o diálogo como caminho para a solução do impasse.
Na quinta-feira (3), o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou à CNN que está disposto a conversar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a pauta econômica do governo.
“Iremos sempre dialogar com todos em favor do Brasil”, disse o parlamentar.
Apesar disso, aliados de Motta ressaltam que a Câmara seguirá com sua própria agenda, independentemente dos avanços no diálogo com o Executivo.
O ex-presidente Michel Temer (MDB) também defendeu a aproximação entre os Poderes. Para ele, a pacificação depende do entendimento mútuo.
“No Brasil, a gente tem a impressão de que o presidente manda tudo. E não manda. Só manda se tiver apoio do Congresso Nacional. Portanto, quem governa o país é o Executivo, quer dizer, o presidente, mais o Congresso. Portanto, se houver diálogo entre eles, a coisa flui com muita naturalidade”, afirmou Temer.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), afirmou na terça-feira (1°) que o governo tem “legitimidade” para acionar o STF. Perguntado sobre a possibilidade de o STF revogar a decisão do parlamento, ele disse ser preciso “deixar acontecer”, numa referência à necessidade de aguardar um posicionamento da Corte.
Para o decano do STF, ministro Gilmar Mendes, o embate político é uma crise de “coordenação” e de “diálogo”.
Conciliação no STF
No STF, a avaliação é de que o Judiciário deve agir com cautela e buscar uma saída negociada para a disputa. O presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que “consenso, sempre que possível, é bom” e indicou que há espaço para uma mediação.
Segundo apurou a CNN, a Corte deve propor a abertura de uma mesa de conciliação entre governo e Congresso. A ideia é que o STF atue como mediador, sem intervir de forma incisiva com decisões liminares, priorizando o entendimento institucional entre os dois Poderes.
Nos bastidores, os ministros discutem qual seria a melhor maneira de conduzir as ações – e uma solução conciliatória tem sido citada como a alternativa mais adequada.
Crise política
A decisão do governo agravou a crise política. O pedido foi protocolado pela AGU e faz uma série de solicitações à Corte.
A principal delas é que o STF reconheça a constitucionalidade do decreto presidencial que elevou o IOF. O governo também solicita que o ministro Alexandre de Moraes seja designado relator da ação.
Além disso, a AGU pede, em caráter liminar, a suspensão imediata dos efeitos do PDL (Projeto de Decreto Legislativo) aprovado pelo Congresso, que anulou o aumento do imposto.
A reação do governo, no entanto, foi vista por especialistas como um passo que pode ampliar o desgaste institucional. O advogado tributarista Júlio Caires, ouvido pela CNN, avaliou que o recurso ao STF pode ser interpretado como uma tentativa do Executivo de deslegitimar o papel constitucional do Congresso.
“Ao recorrer ao STF para tentar reverter uma decisão soberana do Congresso, o Executivo dá sinais de que não aceita o sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição. Isso pode ser lido como uma tentativa de judicializar um ato político típico do Parlamento”, afirmou.
Segundo Caires, a iniciativa do governo também instrumentaliza o Judiciário como árbitro de uma disputa essencialmente política, o que, embora legal, tende a fragilizar o diálogo institucional e aumentar o nível de tensão entre os Poderes.
“Esse tipo de movimento acirra os ânimos e pode ser visto como um ataque à competência constitucional do Legislativo”, completou.
Segundo Caires, a resposta do Congresso à judicialização pode vir de diferentes formas: tanto por meio de manifestações públicas de líderes e bancadas quanto por ações regimentais, como a convocação de ministros, a ampliação de CPIs (comissões parlamentares de inquérito) ou o endurecimento da fiscalização sobre o Executivo.
No campo legislativo, o Parlamento também pode acelerar a tramitação de projetos que contrariem interesses do governo ou retardar a análise de pautas enviadas pelo Planalto. Outra possibilidade é apresentar proposições que limitem o uso de decretos presidenciais e outras medidas unilaterais.
Foto: Roque de Sá – Agência Senado
Fonte: João Rosa e Isabel Mega, da CNN, Brasília