Professores das universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) consideram que o Brasil tem credenciais para atuar como mediador entre israelenses e palestinos. Para eles, além do papel histórico de Oswaldo Aranha – que presidiu sessão da Assembleia Geral da ONU em 1947 para discutir a criação de dois Estados, um para os judeus, outros para os árabes – o país mantém relações diplomáticas com Israel e Palestina, tradicionalmente defende o respeito às leis internacionais e busca soluções pacíficas.
“Oswaldo Aranha foi importante nesse processo, porque não se limitou a presidir de maneira indiferente a votação. Ele se empenhou para que a divisão fosse reconhecida e aquela situação fosse resolvida, de modo que cada povo fosse acomodado e construísse o seu Estado. Portanto, Oswaldo Aranha agiu todo o tempo de boa-fé, interessado em resolver o conflito envolvendo os dois Estados”, explica Williams Gonçalves, professor de relações internacionais da Uerj.
Segundo Fernando Brancoli, professor de Segurança Internacional e Geopolítica da UFRJ, Oswaldo Aranha é visto dentro de Israel como figura importante por seu papel na solução de dois Estados.
Histórico
Em 1947, a pedido do Reino Unido, a Organização das Nações Unidas foi provocada a encontrar uma solução para a região da Palestina. A área, que por séculos pertencera ao Império Otomano, e havia três décadas estava sob controle dos britânicos, vinha recebendo milhares de imigrantes judeus, procedentes de várias partes do mundo.
Os judeus passaram de 10% para 30% do total da população na Palestina nas três décadas de domínio britânico. A recomposição demográfica passou a gerar conflitos entre os dois grupos: os judeus e os árabes-palestinos.
Sem conseguir resolver os conflitos, com ataques de ambos os lados, o poder colonial se preparava para deixar o local e esperava uma solução para a Palestina. Para isso, deixou a questão com a ONU.
O assunto foi levado à Assembleia Geral das Nações Unidas, em abril daquele ano. Para presidir a sessão aberta para discutir a questão, foi eleito o representante brasileiro, Oswaldo Aranha.
Sob a coordenação de Aranha, nascia, nas Nações Unidas, a solução para a região: a divisão da Palestina em dois estados, um para os judeus e outro para os árabes. O Brasil foi um dos países que defendeu a proposta.
Soluções amigáveis
“O Brasil historicamente se constrói como um país que tenta encontrar soluções amigáveis e um meio-termo entre os diversos adversários. O Brasil reforça o papel do direito internacional ao longo de sua história. Nós somos o país que mais participa do Conselho de Segurança da ONU como membro não permanente. Construímos historicamente, aos trancos e barrancos, a ideia de um país que é mediador, e a gente já atuou em diversos momentos a respeito disso, principalmente aqui na América Latina”, explica Brancoli.
Segundo Gonçalves, a diplomacia brasileira tem credibilidade internacional para participar da solução de conflitos. “O Brasil não é uma grande potência, então não gerou inimizades, não tem conflito com os seus vizinhos. Outro fator que favorece a intermediação, no meu ponto de vista, é que o Brasil sempre teve a posição de defesa da existência dos dois Estados. O Brasil reconhece o Estado de Israel, mas reconhece o direito dos palestinos de ter seu próprio Estado”, afirma o professor da Uerj.
Participar da mediação do conflito, no entanto, não depende apenas de credenciais diplomáticas. Como presidente rotativo do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil deu o primeiro passo para tentar evitar um aumento dos confrontos entre Israel e o Hamas (grupo político e militar que controla a Faixa de Gaza).
Ainda no sábado (7), logo depois do ataque do Hamas a cidadãos israelenses, o Brasil convocou reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU para discutir o conflito.
Brancoli acredita, no entanto, que, neste momento, dificilmente o Brasil terá algum papel mais efetivo na interrupção do conflito. “A gente está hoje no pior momento, entre Israel e Palestina, do ponto de vista de tentativas de mediação em 40 anos. Neste momento, é impossível. Ninguém consegue efetivamente mediar um acordo de paz imediato, até mesmo cessar-fogo. Acho que pouquíssimos países conseguiriam”, disse.
Segundo ele, o que o Brasil pode fazer neste momento é contribuir com ajuda humanitária e com a retirada de civis da área de conflito.
Na visão de Gonçalves, qualquer acordo entre as partes não depende apenas de mediadores. É importante que os dois lados tenham boa vontade de negociar e estejam dispostos a fazer concessões. .
“Quando falamos em negociação, falamos necessariamente de concessões. Não pode haver negociação em que as duas partes são intransigentes, em que as duas partes não admitam qualquer concessão. Aí não há negociação, não há intermediário que agrade a ninguém”, conclui o professor da Uerj.
Articulação Política
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou por telefone com o presidente dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed Al Nahyan, nesta quarta-feira (11), para discutir o conflito entre Israel e Palestina, no Oriente Médio. De acordo com nota emitida pelo Palácio do Planalto, Lula afirmou ao líder árabe que é necessário encontrar uma solução amigável para o conflito entre Israel e Palestina e evitar mortes, especialmente de civis, mulheres e crianças. A conversa abordou, segundo a assessoria do presidente, uma série de tópicos cruciais para a estabilidade da região e a busca por uma solução pacífica.
Já presidente Mohamed bin Zayed destacou a importância de líderes globais trabalharem em conjunto para conter a crise na região.
“Os dois líderes reconheceram a importância da ajuda humanitária de ambos os países, e a necessidade de se concentrar em aliviar o sofrimento das comunidades afetadas pelos bombardeios recentes. Em um esforço para evitar uma escalada adicional da situação, concordaram em trabalhar em conjunto para promover a paz e a estabilidade na região”, informa a nota do Palácio do Planalto.
Após intensificar o bombardeio contra a Faixa de Gaza, nos últimos dias, o Ministério da Defesa de Israel informou que pretende ocupar o território por terra. Ontem (10), Lula falou por telefone com o presidente do Chile, Gabriel Boric, ocasião em que também discutiram sobre o conflito entre Israel e Palestina, além de outros tópicos sobre a conjuntura sul-americana. Mais cedo, nesta quarta, Lula fez um apelo ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e à comunidade internacional, em defesa das crianças palestinas e israelenses.
A Embaixada de Israel em Washington informou que o número de mortos nos ataques do Hamas no fim de semana passa de mil. Os mortos são, em sua maioria, civis, baleados em casas, nas ruas e em uma festa ao ar livre, que ocorria a poucos quilômetros da fronteira com a Faixa de Gaza.
Já o Ministério da Saúde de Gaza disse que os ataques aéreos retaliatórios de Israel tiraram a vida de pelo menos 830 pessoas e feriram mais de 4,3 mil até esta terça-feira. A ONU afirmou que mais de 180 mil habitantes de Gaza ficaram desabrigados, muitos deles amontoados nas ruas ou em escolas. Além disso, pelo menos 11 funcionários da organização morreram em Gaza nos últimos dias, em decorrência dos ataques israelenses.